Quando se vive num País em que o salário médio é de mil e duzentos euros e o valor da propina mensal de uma faculdade de Medicina ascende aos mil duzentos e cinquenta a que acrescem mil e quinhentos euros anuais de inscrição, é humanamente impossível não nos sentirmos desassossegados. Incómodo que não se dissipa, mas se acentua, quando no website da Universidade Católica se diz expressamente que este valor foi estabelecido tendo como referência o custo do curso numa universidade pública. Ou seja, não é pelo facto de a licenciatura ser tirada numa faculdade “XPTO”, a que podem aceder todos os eleitos mas em que poucos são os escolhidos, que o valor da propina é estratosférico, não! A ser verdade que aquele valor traduz o custo da propina numa faculdade de medicina pública, afirmação que não vi até agora desmentida por quem de direito, sabendose que o valor máximo da propina numa universidade pública ronda os mil euros anuais, algo vai mal no reino da Dinamarca.
Face a esta realidade, há todo um rol de questões que se levantam não devendo ser iludidas.
Muitas são geradoras de desassossego por serem social e politicamente incómodas, mas fugir à discussão, contornando-a, é empurrar com a barriga um problema que o tempo agiganta,
comprometendo o futuro de uma sociedade que se quer democrática ao aceitar que o tão propalado elevador social se transforme de vez numa âncora.
Sabemos que há uma enorme pressão para abrir mais faculdades de medicina privadas, que o ministro Manuel Heitor fala em mais três faculdades públicas (Aveiro, Évora e Vila Real).
Pergunta-se, teremos corpo docente qualificado e disponível? Qual a resultante futura do cruzamento de cursos de medicina “XPTO” e das universidades públicas? Por fim, que mundo
na Saúde se está a construir?
Sendo o quinto País da OCDE em número de médicos, dificilmente se pode admitir que os bloqueios no setor possam ser imputados à carência destes profissionais. Há, por outro lado,
manifestas assimetrias regionais em cuidados de saúde. As razões que levam à carência de médicos de família em Lisboa e Vale do Tejo são seguramente diferentes das que originam a sua falta nas regiões do interior. Os bloqueios na área hospitalar não parece que resultem também da falta de profissionais, sentem-se é cada vez menos atraídos pelo trabalho no Serviço Nacional de Saúde, mas, em boa verdade, nada de novo ocorreu durante 30 anos em termos de reforma deste setor.
Enquanto sociedade, a grande maioria revê-se num SNS universal e tendencialmente gratuito.
Tenhamos a noção que quando se coloca e bem, a fasquia da Saúde em nível tão elevado, não há soluções fáceis para responder com a máxima equidade às inúmeras necessidades em
cuidados de saúde. Procurar resolver tão complexa equação pela simples lei da oferta e procura ou criando desníveis na formação dos profissionais, é ilusório e vai degradando a qualidade dos serviços prestados à maioria da população.