Um pouco por todo o país multiplicam-se os casos onde é evidente a fragilidade informática do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Seja porque são alvos de ataques informáticos, como aconteceu, com gravidade, na Região Autónoma da Madeira (SESARAM), seja por ineficiência, como acontece nas demais situações identificadas, com os sistemas informáticos sistematicamente condicionados, nomeadamente a PEM (Prescrição Eletrónica de Medicamentos). A raiz do problema está na falta de investimento estrutural, não só no plano humano, mas também na capacidade logística.

Fazemos de seguida uma análise às situações identificadas, bem como as recomendações sobre como devem os médicos proceder sempre que estas falhas coloquem em causa a segurança dos atos médicos aos doentes. As falhas na PEM e no SClínico são transversais.

MADEIRA

O sistema informático utilizado no Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (SESARAM) foi alvo de um ciberataque no passado dia 7 de agosto e atingiu todos os estabelecimentos de saúde, incluindo cuidados de saúde primários e hospitalares, uma vez que é um sistema único e integrado.

Este evento impossibilita, ainda à data desta publicação, a realização de consultas e o registo informático dos dados decorrentes das mesmas, incluindo a medicação crónica.

A informação veiculada da reposição de uma presumível normalidade na atividade assistencial não se verificou e a utilização provisória de papéis individualizados para cada utente não anula o facto ser impossível consultar os registos médicos e de analisar, numa linha temporal, os achados anteriores e suas implicações no presente e no futuro da história natural da doença.

Refira-se, a título de exemplo, os aspetos relativos aos pedidos de exames complementares de diagnóstico e de terapêutica (MCDT) e à prescrição, colocando potenciais problemas graves a nível da responsabilidade profissional, civil e criminal dos médicos, com potencial prejuízo para os utentes.

ARS NORTE

Nas unidades dos Cuidados de Saúde Primários, têm sido identificados problemas na transição da referenciação pelos sistemas Alert para o Registo de Saúde Eletrónico Siga. Desde há 2 meses, quando os utentes efetivam consulta através do quiosque eletrónico, os MCDT saem por defeito como prescrição privada. Os médicos têm de selecionar como centro de responsabilidade “SNS” para saírem comparticipados, sacrificando tempo e aumentando o consumo de papel. Além disso, ainda não existe servidor único da Administração Regional de Saúde (ARS).

Os médicos não podem ser responsabilizados por situações às quais são alheios, apesar de haver um enquadramento legal que obriga ao registo informático. O impedimento prático de atos médicos suscita também questões que se inserem no âmbito da Deontologia Médica.

Os médicos e as suas estruturas representativas têm procurado minimizar as consequências destas situações, com a permanente preocupação em colocar os doentes no primeiro plano do seu exercício profissional.

O aumento do número de casos como estes implica que tenham de ser adotadas medidas, de forma organizada e coletiva, para salvaguardar possíveis repercussões profissionais e humanas.

Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, responsáveis por esta área funcional, não podem continuar na impunidade, isentos de qualquer responsabilização.

ARS ALGARVE

Desde sexta-feira, 18 de agosto, que se multiplicam os problemas no acesso ao SClínico, o que impede a concretização de consultas, prescrição de terapêutica e acesso aos antecedentes dos doentes, tudo processos fundamentais para o correto funcionamento dos serviços de saúde. Estes problemas verificaram-se tanto a nível Cuidados de Saúde Primários como ao nível Hospitalar.

PORTO

No Centro Hospitalar Universitário de Santo António, no Porto, têm ocorrido falhas semanais nas atualizações dos sistemas de segurança e operativos, gerando a impossibilidade de abertura do SClínico. O uso de impressoras, vários softwares anteriormente instalados nos vários computadores, estão frequentemente condicionados.

Identificam-se igualmente falhas na geração de relatórios clínicos e exames para posterior impressão; falhas nos leitores dos cartões para prescrição; dificuldade de acesso a plataformas digitais externas de monitorização clínica à distância, além de falhas graves no hardware por falta de manutenção e substituição, sem capacidades gráficas para visualização de exames, ausência de limpeza das ventoinhas de refrigeração e teclados em que já nem se reconhecem as letras e discos rígidos já sem memória.

PÓVOA DO VARZIM E VILA DO CONDE

Falha nos meios informáticos no Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde desde o dia 30 de julho, o que motivou a entrega de declarações de escusas de responsabilidade de vários médicos. A falha dos sistemas informáticos, como o acesso ao SClínico ou ao RSE, resultou na impossibilidade de acesso a informações imprescindíveis para o atendimento dos doentes em segurança.

A situação ocorrida transgride a vinculação a deveres éticos e deontológicos, como também à própria consciência de cada médico, uma vez que não estavam reunidas as condições para a prestação de atividade clínica de forma correta e segura.

Assim, perante estas situações, entendemos que os/as médicos/as devem pedir escusa de responsabilidade, tomando para o efeito as seguintes medidas:

1. Logo que confrontados com falhas do sistema informático, impeditivas ou limitadoras do exercício das suas funções profissionais, devem os médicos esclarecer os doentes do que está a acontecer. Ao mesmo tempo deve ser informado o superior hierárquico e colocados em marcha os procedimentos técnicos para solução do problema, no mais curto espaço de tempo.

a.) Tratando-se de falha informática que impeça a consulta do processo prévio do doente, existe um considerável aumento do risco profissional, na medida em que potencia a ocorrência de situações de erro médico.

Não dispondo o médico das ferramentas indispensáveis que lhe permitam fazer o diagnóstico ou determinar a terapêutica adequada, podendo daí resultar um risco acrescido de erro médico, com claro prejuízo para o utente e para o próprio profissional, deve o médico remarcar a consulta dentro das disponibilidades das marcações já efetuadas. Excetuam-se obviamente os casos de risco iminente de vida. Ainda neste contexto, deve preencher a minuta de escusa de responsabilidade civil, disponível no site da FNAM.

b.) Tratando-se de falha que impeça unicamente o registo informático, pode o médico realizar a consulta diferindo o registo informático da mesma. Este registo é obrigatório à luz do Despacho n.º 2784/2013. É, no entanto, absolutamente claro que este registo deve ser efetuado dentro do horário do médico, procedendo-se, sempre que necessário, à reorganização do trabalho em agenda.

2. Em caso de dúvida:

a.) Contactar, de imediato, o respectivo sindicato da FNAM (SMN, SMZC ou SMZS) para saber quais os procedimentos adequados a tomar, tendo em conta que se verificam particularidades consoante os casos concretos de cada momento e de cada unidade de saúde.

b.) Contactar a Ordem dos Médicos, sempre que as questões colocadas sejam de natureza deontológica.

3. A reincidência destas situações deve ser denunciada através dos delegados sindicais e das organizações sindicais médicas, de forma rápida e fundamentada.