Fonte: Expresso, Helena Bento
Descansos compensatórios após trabalho noturno que não são cumpridos, falta de médicos para assegurar os turnos da noite e médicos com formação em determinadas áreas que desempenham funções “indiferenciadas”. São estas algumas das queixas que o Expresso ouviu junto de médicos que trabalham no Hospital de Magalhães Lemos. “Os descansos compensatórios que estão previstos por lei nunca foram cumpridos. Essas folgas não são dadas, só em determinados dias. Os médicos que fazem noite têm de ficar a trabalhar de manhã para fazer outros serviços”, conta um dos profissionais de saúde. Outro problema é o facto de haver apenas “um médico especialista para mais de 200 doentes durante a noite”, que incluem os que dão entrada na urgência do hospital e quem está internado nos outros serviços. “Não temos apoio da medicina. É o médico psiquiatra que tem de dar conta de todas as situações que possam surgir. É muito complicado. Se cai um doente, ou precisamos de alguma coisa, temos de chamar o INEM.” As consequências da “falta de meios” são muitas — recurso excessivo a medicação, “quedas” e “fugas”.

Outro médico ouvido pelo Expresso denuncia também a falta de médicos de outras especialidades para prestar cuidados não psiquiátricos. O hospital tem apenas uma médica internista e uma médica neurologista que dão apoio durante o dia. À noite, fins de semana, feriados e férias fica “sem esse apoio”. “As pessoas com patologia mental têm muito frequentemente uma doença orgânica. Necessitam de cuidados especializados mas nem sempre conseguimos assegurá-los.” Além da escassez de recursos humanos há falta de meios técnicos, aponta. “Há dois desfibrilhadores para todo o hospital”, o que complica a prestação de cuidados em situações de emergência. “Só há um eletrocardiógrafo e, à exceção de análises clínicas e testes à covid-19, todos os exames têm de ser pedidos ao exterior. Também há medicamentos que não temos aqui, como antibióticos endovenosos. Qualquer problema médico que exija uma maior intervenção fica sem resposta”, aponta o médico, referindo que o hospital “continua estruturado para administrar antipsicóticos mas depois é inundado de casos de idosos abandonados e pessoas com problemas orgânicos a que não se consegue dar resposta”.

SINDICATO DENUNCIA “ATROPELOS À LEGISLAÇÃO LABORAL E PRÁTICAS DE ASSÉDIO MORAL”
Na semana passada, o Sindicato dos Médicos do Norte emitiu um comunicado em que diz ter recebido “denúncias sobre atropelos à legislação laboral e práticas de assédio moral” no Hospital de Magalhães Lemos que “colocam em risco os médicos e os cuidados prestados aos seus doentes”. De acordo com o sindicato, os médicos do hospital “têm sido alvo de inúmeras arbitrariedades, violação de descansos compensatórios, escalonamento frequente para executar várias atividades em simultâneo e sujeitos a falta de equidade na distribuição da atividade clínica e outras funções”.

Ao conselho de administração do hospital, com quem o sindicato esteve reunido a 16 de novembro, foi exigida a adoção de “medidas corretivas”, como a “cessação de toda e qualquer tentativa de assédio moral praticado pelas chefias, como as ameaças de suspensão de férias aprovadas ou de processos disciplinares e recusa em dar ordens por escrito”, o “cumprimento dos descansos compensatórios após trabalho noturno, e o efetuado aos domingos e feriados entre as 00h e as 8h, nos oito dias seguintes”, a “implementação de estratégias que revertam a atual indiferenciação da atividade clínica e em respeito absoluto pelas especiais competências individuais dos médicos” e a “revisão da constituição das equipas (…) no período noturno, que atualmente comportam apenas um médico a prestar apoio até 250 internados e, em simultâneo, a todos os doentes que são transferidos” de outras urgências.

Também é exigida a “afixação pública, nos serviços, dos planos de férias aprovados anualmente” e a “aplicação dos princípios de probidade e igualdade de oportunidades no acesso a cargos de direção, coordenação ou liderança, com a promoção e execução de processos transparentes, íntegros e imparciais”, entre outras medidas. No prazo de um mês será convocada uma nova reunião “para verificar a aplicação das medidas corretivas”, de forma a “melhorar as condições de trabalho e a prestação de cuidados aos doentes psiquiátricos”, refere ainda o sindicato. Caso essas medidas não sejam aplicadas, e se “mantiverem os atuais atropelos e assédio aos médicos”, o sindicato irá avançar com outras ações.

HOSPITAL GARANTE NÃO TER “QUEIXAS INTERNAS” MAS VAI “ANALISAR” A SITUAÇÃO
Questionado pelo Expresso sobre o assunto, o conselho de administração do hospital refere ter ficado “chocado” com as alegações e diz nunca ter recebido “quaisquer queixas internas”. “Não tenho a ideia de que isto reflita o sentimento geral dos médicos do hospital”, afirma Rosa Encarnação, diretora clínica que integra a administração do hospital. Garante que as folgas e descansos compensatórios “são sempre concedidos” e que, se isso não acontece no prazo devido, “é por decisão dos próprios médicos, não por imposição da administração”. O assunto está, contudo, a ser “analisado” e o hospital “fará as diligências que considerar necessárias”.

Sobre a falta de médicos de outras especialidades, a diretora clínica refere que o hospital “trabalha em articulação” com outras unidades “que dão apoio” na realização de consultas e exames. João Pires, enfermeiro diretor que também integra o conselho de administração do hospital, reforça o esforço de articulação. “Nunca um doente ficou retido no hospital porque não foi autorizada a realização de exames”, diz, acrescentando que com a pandemia foi reforçado o número de profissionais de saúde que trabalham no hospital. A comparar com dezembro de 2019, são “mais 22 profissionais”, metade dos quais assistentes operacionais, mas também enfermeiros (cinco), um médico em formação e um técnico superior de saúde. “Hoje em dia estamos muito mais bem apetrechados.”