É preocupante ver que mais de um terço das vagas abertas no último concurso para contratação de médicos de família ficaram desertas, deixando mais distante o compromisso do Governo de atingir a cobertura plena naquela especialidade durante a legislatura. Mas, mais que a crueza dos números, indigna saber que muitos concidadãos para aceder a cuidados de saúde vão continuar a ter de recorrer a um qualquer serviço de urgência de um hospital, por doenças que podiam ser prevenidas ou tratadas por Medicina Familiar.
Situação tão mais preocupante quando se verifica que o número de portugueses sem médico de família vai num crescendo desde 2018 rondando hoje, de novo, o milhão. Não se pense que é um problema de periferia, pois é na região de Lisboa e Vale do Tejo que se encontra o grosso dos utentes a descoberto quando a maioria dos médicos que concluem a especialidade ao fim de cinco anos de formação o faz na região Norte. Desacerto que interessa esclarecer e corrigir.
Diz quem presenciou o concurso, que logo no primeiro dia de escolha, a meio da manhã, já tinham terminado as vagas no Norte e a partir daí, foi um rol de desistências… Ou seja, os colegas do Norte recusaram a sorte dos ratinhos de outros tempos, evitando trabalhar longe da área de residência por baixo salário, agora não nos campos do Alentejo mas em centros de saúde, de outros tempos, na região mais próspera do País.
Mas nem tudo são más noticias, no Norte e Centro a grande maioria das vagas foi ocupada,
preferencialmente em Unidades de Saúde Familiares mas, também, em UCSP (modelo
tradicional), mostrando que não é apenas a questão salarial que afasta os médicos do SNS. Se
assim fosse, a “deserção” seria mias generalizada não se verificando apenas a Sul do País.
Se há reforma consensual na Saúde, é a dos Cuidados de Saúde Primários. Não porque os
profissionais, médicos e não só, o dizem mas pela razão de diversos estudos custo/benefício e
de satisfação dos utentes, terem mostrado vantagem clara do modelo USF relativamente ao
modelo tradicional. Põe-se a questão, sendo a reforma “pagável” como os diversos indicadores
apontam, de que estamos à espera para lhe dar continuidade aprofundando, se necessário, as
regras de contratualização?
Segue-se agora a segunda fase do concurso, identificados os “males” só por cega teimosia se
irão cometer os mesmos erros. Tudo indica que se as condições de emprego forem melhores a
maioria dos médicos que recusou aceitar trabalhar no SNS na primeira fase continua disponível para o fazer. Assim sendo, por que não alargar o modelo USF estabelecendo como contrapartida o trabalho em dedicação plena, aprofundando a ligação profissional/SNS.