A Federação Nacional dos Médicos cumprimenta todas e todos os presentes neste XV congresso da CGTP, e agradece à Isabel Camarinha e ao secretariado geral da CGTP o convite que nos foi endereçado, que não sendo nós uma federação filiada, temos todo o interesse e responsabilidade, em estarmos aqui presentes.
Todos sabemos que o Serviço Nacional de Saúde é um pilar da democracia portuguesa, e que foi concebido após o 25 de abril para servir a saúde de toda a população, como sendo um serviço público, tendencialmente gratuito, de qualidade e acessível a todos os cidadãos, independentemente do seu estado socioeconómico.
Sabemos também, que as políticas de saúde praticadas pelos sucessivos governos nas últimas duas décadas contribuíram ativamente para o desmantelamento propositado do SNS, sem a execução do investimento em saúde dos sucessivos orçamentos de estado, e sem a justa valorização das carreiras e salários dos seus profissionais, dos quais os médicos não foram exceção.
Não há falta de médicos em Portugal! Somos cerca de 60 mil, mas apenas metade, 31 mil, estão no SNS, sendo que destes 10 mil são médicos internos, o que correspondem a um terço da força de trabalho no SNS, e que nem têm direito a fazer parte da carreira médica.
Os médicos a trabalhar no SNS em Portugal, foram dos profissionais que mais poder de compra perderam na última década. Somos dos médicos mais mal pagos a nível europeu, temos das piores condições de trabalho, fazemos milhões de horas extraordinárias, e não conseguimos conciliar a nossa vida profissional com a pessoal e familiar. Por isso abandonamos o SNS e saímos todos os dias do SNS, migrando para o sector privado ou emigrando para outros países, em busca de uma vida mais digna.
Umas palavras para a luta dos médicos no último ano.
Primeiro damos nota, que durante a pandemia a COVID-19, os médicos suspenderam as formas de luta por estarem a combatê-la ATIVAMENTE na linha da frente, e deram tudo o que tinham e não tinham, com o seu labor, que num esforço inaudito e que em conjunto com os outros profissionais de saúde, salvaram milhares de vidas. Mas, no fim, não viram qualquer reconhecimento pelas políticas de saúde do governo de António Costa.
Não só o Ministério de Manuel Pizarro não foi capaz de estancar a sangria de médicos do SNS, como agravou ainda mais as condições de trabalho, e mais 1300 médicos abandonaram o SNS no último ano.
A 20 de abril de 2022 iniciaram-se negociações com o Ministério da Saúde que decorreram até 28 de novembro de 2023, 19 meses, com 36 reuniões infrutíferas e sem cumprimento com o estabelecido no protocolo negocial – NPOTM, criação de um novo regime de trabalho, SU e valorização salarial.
Mas este MS não teve competência sequer para cumprir com as formalidades básicas da negociação coletiva, com 13 reuniões canceladas, às vezes na véspera e sem motivo, sem envio de ordens de trabalho, documentos ou atas das reuniões.
Este governo falhou aos médicos, mas acima de tudo falhou aos cidadãos que vivem em Portugal, numa negociação pouco séria e incompetente. Apesar disso a FNAM fez o seu trabalho de forma séria e responsável, apresentando um total de 8 propostas em cima da mesa, que seriam a solução para termos mais médicos no SNS.
E no fim, o governo escolheu não ouvir os médicos, encerrou as negociações em setembro 2023, quando anunciou a publicação de um novo regime de trabalho, a Dedicação Plena, SEM o acordo da FNAM:
- O aumento do limite anual do trabalho suplementar de 150 para 250 horas
- O aumento da jornada diária de trabalho de 8 para 9 horas
- O fim do descanso compensatório após o trabalho noturno para quem faz serviço de urgência
- A realização de trabalho ao sábado para os médicos hospitalares que não realizem SU.
Esta atitude unilateral e arrogante da maioria absoluta, obrigou os médicos a unirem-se e dizerem de norte a sul do país que não faziam NEM MAIS UMA HORA A MAIS, PARA ALEM DO LIMITE ANUAL LEGAL das 150H suplementares.
E foi quando o país percebeu que os serviços de urgência deste país só se aguentavam à custa dos milhões de horas extraordinárias dos médicos.
O Ministério de Manuel Pizarro foi obrigado a chamar os médicos novamente à mesa negocial, e pela primeira vez, admitiu discutir algumas das medidas que reivindicávamos, mas mais uma vez, faltou-lhe vontade política real em negociar connosco de forma séria.
Assim, com a crise política, acordaram apressadamente com uma outra estrutura sindical algo que não contemplou qualquer melhoria das condições de trabalho, e com uma valorização salarial totalmente insuficiente, para a nossa diferenciação e responsabilidade.
A FNAM não assinou esse acordo, nem assinará qualquer outro mau acordo, mas está pronta assinar acordos, capazes de devolver médicos ao SNS, pois somos os médicos de toda a população.
Assim, o ano de 2023, foi marcado pela luta dos médicos, com 5 pré-avisos de greve e manifestações nacionais e regionais, com médicos de todas as gerações, e onde se sobressaíram as camadas mais jovens, saímos UNIDOS para rua e DEMOS VOZ às nossas revindicações para salários justos, condições de trabalho dignas e para salvar o SNS.
2023 foi também o ano em que mais médicos se juntaram à FNAM, com 1650 novos associados, o que representou um número inaudito na sindicalização da história da FNAM.
Nós, médicos, queremos ficar no SNS e vamos continuar a lutar por isso! Por isso a FNAM reafirma a sua luta, e o próximo interlocutor, que independentemente de quem for, já sabe disso. Aguardem-nos!
O próximo ministro/a da saúde, sabe que vamos continuar a reivindicar por:
- reposição da jornada de trabalho de 35h
- reposição das 12h de SU em vez das atuais 18h
- um máximo de 1500 utentes por médico de família
- subsídio de disponibilidade permanente para os médicos de saúde pública
- reintegração do internato na carreira médica
- recuperação dos dias de férias que nos foram retirados durante o período de intervenção da troika
- melhores condições para a parentalidade e a possibilidade de formação pós-graduada
- reconhecimento de profissão de desgaste rápido e, associada a essa realidade, a possibilidade de reforma aos 36 anos de trabalho ou 62 anos de trabalho.
- participação ativa dos médicos nos locais de trabalho, com processos transparentes e democráticos acabando com as nomeações político-partidárias das chefias.
Nós médicas e médicos, lutamos porque reconhecemos que a nossa condição de médicas e médicos, IMPLICA O CUMPRIMENTO DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES PARA CONNOSCO PRÓPRIOS, PARA COM AS NOSSAS FAMÍLIAS, mas também de COMPROMISSOS PARA COM A SAÚDE DE TODA A POPULAÇÃO E GERAÇÕES FUTURAS, e por isso vamos continuar a BATALHAR POR UM SNS PÚBLICO, UNIVERSAL, ACESSÍVEL E DE QUALIDADE.
Veja também um excerto da intervenção no Instagram da FNAM.